Estresse é um termo que se vulgarizou nos últimos tempos. Queixa-se de estresse o homem que chega em casa depois de um dia de muito trabalho, de trânsito pesado e das filas do banco. Queixa-se a mulher que enfrentou uma maratona de atividades domésticas, profissionais e com os filhos. À noite, terminado o jantar, com as crianças recolhidas, os dois mal têm forças para trocar de roupa e cair na cama.
A palavra estresse não cabe nesse contexto. O que eles
sentem é cansaço, estão exaustos e uma noite de sono é um santo remédio para
recompor as energias e revigorá-los para as tarefas do dia seguinte.
A palavra estresse, na verdade, caracteriza um mecanismo
fisiológico do organismo sem o qual nós, nem os outros animais, teríamos
sobrevivido. Se nosso antepassado das cavernas não reagisse imediatamente, ao
se deparar com uma fera faminta, não teria deixado descendentes. Nós existimos
porque nossos ancestrais se estressavam, isto é, liberavam uma série de
mediadores químicos (o mais popular é a adrenalina), que provocavam reações
fisiológicas para que, diante do perigo, enfrentassem a fera ou fugissem.
É pela ação desses mediadores que, num momento de
pavor, os pelos ficam eriçados (diante do cão ameaçador, o gato fica com os
pelos em pé para dar impressão de que é maior), o batimento cardíaco e a
pressão arterial aumentam, o sangue é desviado do aparelho digestivo e da pele,
por exemplo, para os músculos que precisam estar fortalecidos para o combate ou
para a fuga. Vencido o desafio, vem a fase do pós-estresse. Quem já passou por
um susto grande sabe que depois as pernas ficam trêmulas e, às vezes, andar é
impraticável.
No entanto, o estresse do mundo moderno é muito
diferente do que existia no passado. Resulta do acúmulo de pequenos problemas
que se repetem todos os dias. A promissória a vencer no banco e o compromisso
com hora marcada prejudicado pelo congestionamento inexplicável não liberam
mediadores na quantidade necessária para enfrentar um animal ameaçador, mas
provocam um discreto e constante aumento da pressão arterial e do número dos
batimentos cardíacos que, sem dúvida, trazem consequências nefastas para o
organismo.
EFEITOS DO ESTRESSE CONSTANTE
Como os pequenos problemas do dia a dia, a longo prazo, acabam
criando uma situação de estresse?
O estresse é
uma defesa natural que nos ajuda a sobreviver, mas a cronicidade do estímulo
estressante acarreta consequências danosas ao nosso organismo. Embora a
tendência do indivíduo seja elaborar estratégias para resolvê-las, muitas
vezes, ele vai se adaptando às exigências do chefe intransigente, à situação
econômica difícil, aos revezes do dia a dia. Se não conseguir criar essas
estratégias, seu organismo não irá reagir convenientemente diante dos problemas
e dará sinais de cansaço que podem afetar os sistemas imunológico, endócrino,
nervoso e o comportamento do dia a dia. A continuidade dessa situação afeta a
pessoa, exaurindo suas forças e ela cai num estado de exaustão, de estresse
propriamente dito. Caso não consiga reverter o processo, as consequências não
tardarão a surgir: aumento da pressão arterial, crises de angina que podem
levar ao infarto, dores musculares, nas costas, na região cervical, alterações
de pele, etc. Daí a importância de a pessoa estar alerta para os sinais que o
corpo registra.
Ninguém fica estressado de um dia para o outro. Na prática, essas
manifestações corporais vão ocorrendo lentamente e a pessoa se acostuma com
elas.
Há pessoas que
experimentam picos de adrenalina e vivem bem assim. Os corredores de Fórmula 1,
por exemplo, mostram-se bem adaptados ao estresse inerente à sua profissão.
Quando se deve desconfiar de que algo diferente está
ocorrendo? Se a pessoa notar que já não se levanta com a mesma disposição, a
mesma energia para desempenhar suas atividades diárias, que se irrita com os
outros facilmente, que seu comportamento está fugindo do padrão habitual, se
não consegue dormir, ou mesmo dormindo a noite inteira, não acorda descansada,
pois o sono não foi tranquilo e reparador, precisa ficar atenta. Algo dentro
dela está avisando que as coisas não vão bem e que é fundamental tomar certas
medidas para evitar consequências mais sérias. Em geral, é alguém de fora que
chama atenção para o problema. A roda da vida quase sempre impede que a própria
pessoa perceba com clareza o que está acontecendo com ela.
CATEGORIA DIAGNÓSTICA DO ESTRESSE
Podemos dizer que o estresse é uma doença?
O estresse não
está categorizado na classificação internacional das doenças. O que se observa,
porém, já há algumas décadas, é que ele está presente nos consultórios dos
médicos de diversas especialidades: cardiologistas, pneumologistas,
endocrinologistas, clínicos gerais, psiquiatras. Isso leva a crer que, em
breve, haverá uma modificação no Código Internacional de Medicina e ele será
considerado uma categoria diagnóstica. Atualmente, é classificado como uma
síndrome que afeta vários órgãos.
Não é raro a
pessoa procurar um médico, ser examinada, fazer exames e ouvir: “Isso não é nada. É só emocional”. Ora, se é
emocional, é alguma coisa. Não é sensato esperar que as doenças se instalem
(hipertensão, lesões nas coronárias, hipertrofia cardíaca) para tomar uma
providência. Se existe um fator emocional que está desencadeando o desconforto,
ele precisa ser valorizado. Nesses momentos, é sempre bom perguntar o que pode
estar favorecendo o aparecimento dos sintomas. Aquilo que é estressante para um
indivíduo, pode não significar nada para outro. A reação de cada um está
vinculada à genética, ao temperamento, à personalidade, à maneira de perceber e
assimilar as situações.
Dois irmãos, mesmo que sejam gêmeos e criados da mesma
forma, podem desenvolver reações absolutamente diferentes. Um se descontrola se
fica preso no trânsito na volta para casa; o outro aproveita a ocasião para
ouvir música, relaxar, esvaziar a cabeça e esquecer o chefe ranzinza que cobra
o serviço com urgência e depois o esquece em cima da mesa. Se a promissória
está para vencer na semana seguinte, um perde logo o sono e a tranquilidade,
enquanto o outro deixa tudo para resolver na véspera do vencimento.
É bom lembrar que não existem problemas sem solução.
Basta que nos empenhemos em encontrá-la. Nem sempre aparece a solução ideal, a
que gostaríamos de alcançar, mas temos de aceitá-la, seja ela temporária ou
definitiva.
O que provoca mais estresse, preocupar-se com antecedência ou
deixar tudo para a última hora?
Claro que quem
costuma protelar as decisões indefinidamente, em determinado momento, terá de
enfrentar as consequências desse comportamento sossegado. No entanto, sofrer
antecipadamente não ajuda a resolver o problema. É preciso aprender a gerenciar
os acontecimentos e a buscar estratégias para encontrar uma solução. Veja
o caso da pessoa que fez um empréstimo no banco. O razoável é que levante
algumas possibilidades para juntar o dinheiro do pagamento e estabeleça metas
de poupança. Reduzir as compras no supermercado, abrir mão do celular, cortar
despesas com o supérfluo pode ser um bom caminho.
A pessoa que não sabe administrar os problemas de cada
dia precisa aprender a fazê-lo. Às vezes, a ajuda de um profissional é
indispensável para evitar que a qualidade e o tempo de vida fiquem seriamente
comprometidos por esse comportamento.
TENDÊNCIA AO ESTRESSE NA INFÂNCIA
Certas tendências comportamentais podem ser observadas já nas
crianças pequenas. Às vezes, na mesma família, desde cedo dois irmãos
demonstram atitudes opostas diante dos compromissos. Um precisa ter o material
arrumado, a lancheira organizada e o uniforme em ordem bem antes de sair para a
escola. O outro deixa tudo para a última hora e não se mostra nem um pouco
preocupado.
Não é só a educação,
mas é também a educação que interfere nessa forma de agir. Às vezes, nos
deparamos com dois irmãos, gêmeos até, um muito sossegado e o outro
extremamente agitado. É uma característica individual, uma exigência interna.
Por isso, diante de um mesmo evento cada um reagirá a seu modo.
Todos temos, porém, uma maquininha de fabricar
estresse. O irmão que precisa ter tudo em ordem antes de se arrumar para a
escola demonstra uma necessidade de perfeição, de ser organizado para sentir-se
bem que o outro desconhece. Pouco importa para quem não é exigente se a camisa
está abotoada, os tênis limpos, o lanche bem arrumado. Se, em geral, os
desligados tendem a usufruir melhor qualidade de vida, são eles que penam para
sobreviver no mercado competitivo de trabalho. Por isso, o importante é
aprender a adequar-se às exigências. Nem ser o menino que quer tudo perfeito
nem o relaxado que não se abala com nada.
Quer dizer que esse que não arruma o material escolar,
provavelmente será o que terá problemas com o banco mais tarde?
Não necessariamente,
porque ele pode mudar de comportamento. Caso contrário, é bem provável que
tenha sérios aborrecimentos, porque o mundo não perdoa nem é complacente. Se os
pais não souberem dizer não para filhos, se não lhes ensinarem um mínimo de
organização, não os estarão preparando para a vida. Por outro lado, se forem
exigentes demais, podem estar estimulando o estresse do filho. Vamos analisar
casos extremos diante do exame vestibular. O desorganizado não consegue
estruturar-se para estudar e, na hora da prova, se perde entre as questões. O
outro, apesar da boa perfomance intelectual que demonstrou ao longo da vida
escolar, tem um lapso de memória e não consegue lembrar-se do que estudou.
Isso é estresse?
Isso é uma
exigência interna decorrente do estresse, da cobrança que ele se impõe na vida,
diante das coisas que executa e faz. E se pensarmos que só os adultos estão
sujeitos a desenvolver esse quadro, estaremos enganados. As crianças estão cada
dia mais estressadas. Elas vão para a escola, estudam línguas estrangeiras e
informática, fazem natação, balé, judô e não têm tempo para mais nada.
É preciso desde cedo aprender a organizar a vida. Sem
dúvida, o trabalho é essencial na vida de adultos e crianças, mas não é tudo.
Todos precisam de lazer e a maioria das pessoas estressadas não sabe sentir
prazer. Muitos não se permitem gozar a satisfação de ter completado uma tarefa,
seja ela qual for. Sentir prazer ameniza o impacto do estresse.
Nós temos sempre que pensar no lado positivo das
coisas. Isso ajuda os neurotransmissores a não detonar nosso organismo. Se
houve uma enchente na marginal e o trânsito estava engarrafado, ter seguro para
consertar o carro ou escapar ileso da confusão já é uma grande conquista. Se
formos capazes de olhar o lado positivo, mesmo que tudo pareça muito
complicado, é um caminho para encontrar uma saída. Na verdade, construímos
nosso destino e garantimos a qualidade de nossas vidas de acordo com o modo de
enfocar possíveis contratempos.
NÍVEIS DE EXIGÊNCIA
Quando está brincando, a criança exterioriza uma felicidade de dar
inveja. Ela não está preocupada com a escola nem com a lição de casa sem fazer.
Curte aquele momento. Com o adulto é diferente. Os momentos felizes duram pouco,
porque logo está preocupado com problemas, às vezes, insolúveis. A que se deve
essa insatisfação permanente do adulto?
Em geral, essa
insatisfação permanente que os adultos carregam como um fardo deriva do
aprendizado de um comportamento. A criança não está preocupada com as tarefas,
mas a mãe, o pai e os professores cobram que sejam feitas no prazo certo e com
capricho. Essa cobrança vai sendo internalizada e, em dado momento, ela passa a
cobrar de si mesma um desempenho impecável e perde essa coisa gostosa da
infância que é sentir-se feliz e nada mais. Alcançar sempre a perfeição é um
objetivo estressante e quase impossível. E as pessoas se torturam por causa
disso. Esses extremos de cobrança aumentam o nível de estresse e favorecem a
adição de drogas, do álcool, os quadros de depressão, ansiedade e somatização.
O estresse pode ser uma doença
crônica. Como os estados de agitação e desânimo podem evoluir para o estresse?
O estresse age
como os cupins que vão roendo a madeira até sobrar só uma capa externa de
verniz. Quando nos damos conta, ele já danificou vários órgãos, comprometeu a
performance profissional e o relacionamento dentro e fora de casa. Não importa
o que o tenha provocado. Ele interfere em todas as áreas porque as pessoas não
são constituídas por departamentos estanques. A primeira reação é de
enfrentamento. Depois, o organismo opõe resistência ao estímulo, produz menos
adrenalina e glicose para vencer o obstáculo, entra num processo de falência e
surgem as doenças. Por isso, é importante as pessoas estarem alerta para o que
compromete sua qualidade de vida.
RELAÇÃO ENTRE ESTRESSE E ÁLCOOL
Qual a relação entre o estresse e o álcool?
O trânsito
está congestionado, as pessoas param no bar e tomam uma cerveja. Aproxima-se a
hora da reunião com a diretoria ou de falar em público, um uísque ajuda a criar
coragem. O álcool funciona como um grande ansiolítico. Se possui esse lado
angelical – amenizar a ansiedade em certos momentos -, tem também um lado
diabólico: a necessidade de recorrer ao álcool aumenta sistemática e
gradativamente e inúmeros prejuízos decorrem de seu uso crônico.
É muito comum em profissões de maior impacto de estresse,
a existência de um número grande de etilistas. Por quê? Porque diante de
situações que não sabe administrar, a pessoa recorre ao álcool (e a outras
drogas, como maconha, cocaína, energizantes, etc.) para se anestesiar, criando,
assim, uma fantasia de bem-estar com consequências potencialmente desastrosas.
Que profissões são essas?
Em geral, as
profissões de maior impacto de estresse são as que lidam com o ser humano, nas
quais a interrelação pessoal é permanente. Médicos, professores, jornalistas
são exemplos de gente que não pode falhar. Recentemente, os policiais passaram
a engrossar esse grupo, assim como as pessoas que trabalham em bolsas de
valores e em bancos por causa da instabilidade do sistema financeiro. Outro dia
me perguntaram se as donas de casa estariam livres do estresse. Não estão.
Gerir uma casa com orçamento minguado e múltiplas responsabilidades as tornam
sujeitas a cargas maciças de estresse.
PROFILAXIA DO ESTRESSE
Como prevenir o estresse?
O primeiro
passo é identificar a causa do estresse e verificar se é possível afastá-la. Se
não for, é preciso criar estratégias para resolvê-la. Às vezes, a solução
encontrada não é a ideal, mas é a que se pode pôr em prática naquele momento.
Além disso, horas de sono e de lazer para reduzir os
níveis constantes de adrenalina também são boa medida profilática.
A atividade
física, mas sem cobrança de desempenho perfeito, é fundamental nesse processo e
curtir alguns hobbies ajuda muito desde que não estejam
relacionados com o trabalho do dia a dia. Se sou médica, vou me distrair
fazendo crochê, tricô ou pintura para meu cérebro descansar nesse período.
Acima de tudo, a pessoa não deve automedicar-se. Incluo
nisso o álcool que anestesia, os tranquilizantes e os analgésicos. Se a pessoa
não conseguir controlar os níveis de estresse sozinha, deve procurar ajuda
profissional.
Postar um comentário